sábado, 21 de janeiro de 2012

Ela!

Sempre gostei dela. E ela sempre gostou de mim. Amor! Esta palavra define bem o laço que nos uniu. Sempre! Ela me chamava de Boneca. E eu me sentia uma. Ela dizia que eu era linda, inteligente, querida e especial. E eu acreditei. Ela e eu. Eu e ela. Ela era minha Tia. E eu era uma Boneca para ela.
Ela me ensinou a amar os livros. Me apresentou Gabriel Garcia Márquez. Li Cem Anos de Solidão e não entendi. Tinha 16 anos. Ela me explicou. Falou com paixão sobre cada personagem. Reli o livro e amei. Através dos olhos dela as coisas que estavam escritas ali tinham mais sentido. Era o livro favorito dela. Trocamos, ao longo dos anos, experiências literárias. Ela me ensinou a amar o Érico Veríssimo. Recitava a fala dos personagens e passei a conhecer a Bibiana, o Capitão Rodrigo, Clarissa, Vasco... Com o tempo apresentei alguns autores para ela. Era nosso assunto favorito. Ela sempre perguntava: Boneca, o que tu está lendo? E eu contava cheia de entusiasmo.
Ela tinha os olhos da cor dos meus. Ou eu tinha os olhos da cor dos dela. Ela gostava das mesmas coisas que eu. Éramos tão iguais e tão diferentes.
Ela era professora. Amava a sala de aula. Amava lecionar. Contava histórias impressionantes sobre seus alunos e colegas. Aquele ambiente escolar ficava tão interessante. Ficava rico. Eu sou professora. Sempre amei a sala de aula. Mais uma coisa que compartilhamos...
Ela era casada com um homem que amou muito. Teve dois filhos e se orgulhava muito de cada um. Um arquiteto. O outro médico. Ela falava sobre eles com orgulho. Orgulho da inteligência e do esforço de cada um no seu ofício. Sempre dizia que não era boa mãe. Não tinha vocação. Não sei. Talvez ela sempre tenha sido muito exigente com a vida. Queria muito. Viajava através dos livros. Não conseguiu sair do lugar por mil razões. Mas sabia tudo de cada canto do mundo. Era mestra com um mapa na mão. Se ela tinha vocação para a maternidade ou não talvez não importe. Com certeza ela foi uma excelente Tia. Foi carinhosa e presente. Aconselhou. Deu colo sempre que eu precisava e sempre que eu queria. Colo no sentido literal. Eu sentava no colo dela enquanto contava as minhas coisas. Segurei a mão dela. Beijei e abracei. Amei a minha Tia.
Nos últimos anos ela estava doente. Foi perdendo o brilho e a altivez. Os dias passavam e eu não encontrava ela naquele corpo. Ela estava ali, respirando, mas não era ela. Aquela força e energia estavam se esvaindo. Eu fui covarde. Tive medo daquele final. Na última vez que nos encontramos eu chorei. Abracei ela e me despedi em lágrimas. Ela me olhou profundamente e entendeu. Éramos parecidas. Tínhamos a mesma covardia.
Ela morreu. E eu um pouco. Acredito que a gente se perca em cada pessoa que se vai. Ela levou um pedação meu. Ela levou a Boneca. Eu fiquei em pedaços.
Sinto saudade. E não existem palavras que possam descrever este sentimento. Luto! Talvez seja isto. Uma tristeza na alma, uma falta, um pedaço arrancado... Com o tempo vou carregar tudo isto de um jeito mais leve. Eu sei. Neste momento, esta carga está pesada.
Ela era especial. Ela era a Jane. Minha amada Tia Jane.  

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